Filho único de um pai contador, nasceu e cresceu em Jundiaí. Estudou no colégio Dante Alighieri em São Paulo e terminou o ensino médio em Jundiaí, onde cursou Medicina e já no seu 2º ano tornou-se presidente do DCE. Especializou-se primeiro em cirurgia-geral e depois em cirurgia pediátrica. Prestou concurso para ser professor universitário em escolas de Medicina. Conseguiu a bolsa Kellogg, com a qual teve a oportunidade de conhecer Medicina em outros países. Partiu para o setor privado, estabelecendo novos cursos de Medicina em São Paulo na UNICID e depois em Guarulhos. Montou 47 cursos de Medicina. |
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Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS)
Núcleo de Pesquisas Memórias do ABC e Laboratório Hipermídias
Depoimento de José Lúcio Martins Machado, 57 anos.
São Caetano do Sul, 11 de julho de 2018.
Entrevistadora: Priscila Ferreira Perazzo.
Equipe técnica: Indefinido.
Transcritor: Luis Carlos dos Santos Filho.
Pergunta:
Professor, apesar de ter dito seu nome, vou pedir que o senhor comece falando o seu nome completo, e sua data de nascimento.
Resposta:
Meu nome é José Lúcio Martins Machado, eu nasci em 30 de dezembro de 1960. Tenho 57 anos. [Risos].
Pergunta:
E aonde foi?
Resposta:
Eu sou jundiaiense. Natural de Jundiaí, São Paulo.
Pergunta:
Então conta um pouquinho da sua infância em Jundiaí. Passou por lá, sua infância?
Resposta:
Foi. Eu nasci aí na véspera do ano novo né. Dia 30 de dezembro, na véspera do ano novo. Meu pai conta que meu nascimento foi lá na casa de saúde, foi um parto difícil. Eu nasci bem grande, com quatro... quatrocentos e cinquenta, com uma dupla circular de cordão. Minha mãe sofreu muito, porque tentou se fazer o parto normal e uma vez que não nascia, foi para cesariana. E eu acho que essa experiência do parto para ela, desencorajou que ela tivesse outros filhos né. Juntou essa experiência com o fato do meu pai ser um contador e que tinha uma vida muito simples, mas muito planejada, como característica da profissão né. E aí ele falou: ‘Não...'. Ele me conta isso, que eles optaram por ter um filho na vida, e que se dedicariam a formação né. Então foi isso que eu percebi na minha trajetória, que eu fui um filho cuidado, no sentido do crescimento, de frequentar boas escolas, do meu pai se sacrificar e gastar até além do que podia, para dar uma formação para um filho único né. E que eles sonharam em planejar a vida, em fazer com que esse filho tivesse um sucesso profissional. Então isso foi muito, sempre marcante assim na minha trajetória. Tive uma infância muito tranquila, muito feliz. Brinquei bastante e cultivei sempre boas amizades, cresci em Jundiaí. E aí, eles sempre foram se colocando alguns desafios, em que eu procurei corresponder né. Eu acho que o primeiro vestibular da minha vida foi... na época ainda existia admissão na saída do ginásio, e eles na época tinha um colégio em São Paulo, Colégio Dante Alighieri, que era um colégio que... era um colégio muito diferenciado, um bom colégio, e que eles imaginaram que eu poderia estudar no colégio. E ali eu enfrentei o primeiro vestibulinho. Um aluno lá de Jundiaí de uma escola pública. Eu vim de uma escola pública. Uma escola muito interessante. Na época, o estado de São Paulo tinha os institutos experimentais e nesses institutos experimentais... porque eles eram experimentais, porque eles experimentavam inovações metodológicas, na avaliação através de conceitos e não de notas. Então já era uma escola que me sensibilizou por um processo de educação mais inovador, já nessa época. Isso foi uma coisa que depois na minha trajetória, acabou sendo uma marca muito importante aí da minha vida acadêmica.
Pergunta:
Só uma pergunta. Essas escolas eram vocacionais, estavam nessas escolas experimentais?
Resposta:
É, eu peguei a transição entre escola experimental e as escolas que depois passaram a ter... eram mais profissionalizantes né. E aí se transformavam no período do colegial, você já saía com uma titulação de técnico disso, técnico daquilo, na área da saúde. Eu peguei ainda a escola enquanto instituto experimental, mas já no finalzinho ela já estava nessa transição com uma reforma do ensino importante na época. Isso aí eram anos de chumbo, em que eu percebi essa situação política do país de uma forma muito branda na minha adolescência. A minha entrada na faculdade em 79, ela foi para mim um despertar tanto para questão da profissão médica né, que já vinha muito no imaginário meu, no sonho desde criança... sempre aí se falando na questão da medicina, de ser médico. E existia uma série na TV, que você certamente não se lembra, você não vivenciou isso, [5'] chamado Doutor Kildare. [Risos].
Pergunta:
[Risos].
Resposta:
E ali tinha uns kits de brinquedos que agir, eu recebi uns três, quatro kits do Doutor Kildare [risos], talvez ali nas projeções dos meus pais, eles já imaginavam que poderia ter um filho médico e talvez os kits do Doutor Kildare pudessem estimular nessa vocação. Então eu passei nesse vestibular do Dante, eu tive uma experiência aqui em São Paulo, morando já numa república com 15 anos. Voltei a completar o meu colégio lá em Jundiaí, e me preparei para o vestibular. Entrei na faculdade de medicina na minha terra em Jundiaí, que era onde meu pai e minha mãe imaginavam e sonhavam para não me ter distante né, durante a formação. E ali a entrada na faculdade, ela foi marcada por uma entrada minha já no âmbito do movimento estudantil muito forte. Eu quando estava no segundo ano da faculdade, quer dizer no primeiro ano, eu digeri muita literatura engajada, nos movimentos sociais, dos movimentos estudantis, alinhado mais aos movimentos de esquerda. E eu me politizei muito rapidamente no primeiro e segundo ano, e no segundo ano já estava assumindo a vice-presidência do centro acadêmico da faculdade, já em tempos bem complicados...
Pergunta:
No início dos anos 1980.
Resposta:
Exatamente, início dos anos 1980. Em 1981, eu tive uma experiência muito marcante, porque nós resolvemos montar um fórum, nós tínhamos aí um ensino tradicional da medicina lá na faculdade medicina de Jundiaí, que era organizado em ciclo básico, aplicado, no famoso dois... era dois, três, um. Dois anos de básico, três anos de aplicado e um ano de internato. Eu tinha professores que me inspiravam muito na questão da problematização, do questionamento. E nós enquanto centro acadêmico, resolvemos montar um fórum de reestruturação do ensino médico na faculdade. E nesse fórum, um dos professores chegou e falou assim: ‘Poxa, porque a gente não convida uma pessoa que tinha acabado de voltar para o Brasil do exílio, para fazer a abertura desse fórum'. Que era o Paulo Freire. E eu não conhecia o Paulo Freire né. Eu tinha sido apresentado a um livro que me marcou profundamente que era Pedagogia do Oprimido. Eu falei: ‘Pô, mas o Paulo Freire' ‘É e tal...' E aí tinha um jundiaiense da área da educação, um ilustre jundiaiense Nilson... [entrevistado se corrige] Nilton Balzan, que era pai de um colega meu de escola. E ele falou: ‘Olha, ele é do meu departamento, lá na UNICAMP'. E ele marcou um encontro dos estudantes, nós fomos de Jundiaí, fomos para a UNICAMP. E eu não sabia nem como me portar na frente do Paulo Freire, fui me apresentado para ele. Em 5 minutos eu falei: ‘Olha, nós temos um fórum de reestruturação do ensino médico, assim... assim, seria muito importante...' Ele olhou para mim, da simplicidade do Paulo Freire, e falou: ‘Meu filho, não tenho condição de ir, não vou. Tô com a agenda muito complicada, meu deslocamento já não...' Eu saí de lá... desolado né, tomei um NÃO! E tinham três alunos, que eram colegas meu de classe, mas absolutamente daqueles assim, que a gente na época chamavam que eram os alienados da turma. E um deles falou assim: ‘Não! Você falou com ele?' Eu disse: ‘Não' Colega: ‘Não, eu vou lá!' Eu falei: ‘Não, você tá louco cara. Paulo Freire não tem agenda, não vai' Colega: ‘Não, eu vou lá, eu vou lá...' E ele era um jeito bugre, inclusive do Mato Grosso, todo despojadão e tal. Augusto, um amigão meu... até hoje. Ele entrou lá, bateu na porta e falou: ‘Doutor Paulo...' [Risos]. Acho que Paulo Freire nunca tinha sido chamado... Augusto: ‘Doutor Paulo, o senhor não pode dizer não.' Paulo Freire: ‘Como meu filho...' Augusto: ‘Não... nós estamos fazendo uma revolução. Lá em Jundiaí, nós vamos fazer uma revolução na faculdade e o senhor precisa ir lá, porque todo mundo tá esperando o senhor lá, o senhor não pode dizer não' O Paulo olhou assim e falou: ‘Revolução meu filho?' Augusto: ‘É, nós vamos fazer uma revolução lá em Jundiaí. Nós vamos mudar tudo, e o senhor é importante para animar a gente!' Ele falou: ‘Ah, tá bom. Então eu vou...' E assim [risos], o Paulo Freire foi convencido por um dos colegas mais alienados da minha turma. Foi uma história muito bacana. Ele, quando nós fizemos a abertura do fórum. Primeiro fórum de reestruturação do ensino médico. Bom... o anfiteatro, ele não estava só lotado das pessoas da faculdade de medicina de Jundiaí. Todos os professores de Jundiaí, da região, souberam que o Paulo Freire ia para lá. Lotaram... tinha gente sentado no chão, tinha gente... atopetaram o anfiteatro... Esse registro da ida do Paulo Freire foi uma coisa muito marcante na minha vida. [10'] [Entrevistado assoando o nariz] Depois você corta... [risos].
Pergunta:
Se quiser a gente corta, não tem problema.
Resposta:
Aí... [Concomitância de falas].
Pergunta:
Se quiser a gente para.
Resposta:
Bom, isso foi registrado Regina, numa fitazinha cassete, porque nós não tínhamos na época filmagem, tudo. Nessa época era muito complicado. Tinha um gravadorzinho de um professor nosso. Daqueles gravadorzinho não, era um gravadorzão que parecia uma caixa de sapato assim [entrevistado imitando uma caixa de sapato], que ele ligou do lado do Paulo Freire e nós gravamos essa conversa. Essa fita, ela tem até hoje. É um registro histórico muito importante dele. Olha... nesse fórum foi muito bacana, porque foram pessoas que faziam parte de um processo que depois em 1988, deu origem a nova Constituição Brasileira. E nós tivemos a reforma sanitária brasileira e pessoas importantíssimas estavam nesse fórum, que a gente foi descobrindo ao longo da história. Eu era um estudante que fui descobrindo ali às coisas em processo. Então o João Amílcar Salgado, que era um professor incrível da Federal de Minas Gerais. Professor Eduardo Marcondes, que tinha montado o experimental da USP, estava lá. O Nelson Bedin, que era o indivíduo que estava montando o modelo de centros de saúde escola. O Nelsão... o Nelson Rodrigues, que foi uma das figuras marcantes da reforma sanitária brasileira também estava presente. Então nós assim, no voluntarismo, na questão do estudante, nós fizemos um movimento muito interessante de reformulação do ensino da faculdade. A partir dos estudantes, da mobilização dos professores, através da associação deles. Eu conto isso como marco, porque isso foi um divisor de águas importante na minha formação, e isso me influenciou na opção pela vida acadêmica. Eu tinha descoberto a profissão, mas eu descobri na universidade, a minha vontade de permanecer na universidade e me dedicar integralmente a docência né. E foi nesse período que foi muito importante. A partir daí, eu assimilei muito o comportamento do meu pai, na sua simplicidade, da sua mãe, de planejarem às coisas. Eu planejei a minha vida acadêmica, eu escolhi uma especialidade cirúrgica que existiam espaço no mercado e que existiam poucos professores. Eu optei por fazer cirurgia geral e depois a cirurgia pediátrica. Eu escolhi uma escola para fazer residência, que era uma escola muito diferente do ponto de vista acadêmico, que era a faculdade de medicina de Botucatu da UNESP, onde existia já um departamento de cirurgia muito... com pessoas muito arejadas... né. Foi... era um departamento onde o professor titular de ortopedia era filósofo. Você não tem... é água e óleo, filosofia e ortopedia. Ortopedia é o máximo do pragmatismo dentro da medicina, e a filosofia você tem um nível de abstração, e ele era um pensador. Nós tínhamos lá, o pai... o patriarca da cirurgia, em Botucatu era o professor William Saad Rosa, e que tinha sido um presidente da FAPESP num período muito importante na época da ditadura, onde o professor Saad foi uma das pessoas que ajudou muito através da FAPESP, a saída de pesquisadores brasileiros pro exílio, com bolsas da FAPESP e se colocando em alguns países europeus e da américa latina no período da ditadura. Ele teve um papel importantíssimo enquanto presidente da FAPESP, tanto do ponto de vista científico, quanto do ponto de vista político de salvamento das pessoas que estavam sendo perseguidas na época da ditadura. Então eu descobri a cirurgia lá em Botucatu de uma forma muito... eles me acolheram muito bem, como residente. Eu fiz uma carreira ali onde eu pude fazer a residência, eu saí para fazer a cirurgia pediátrica, voltei, prestei o concurso para docência, fiquei em período integral. Já no meu segundo ano de docência, eu representava o departamento de cirurgia no colegiado de curso, depois de um ano virei coordenador do curso de medicina, lá da faculdade de medicina. Tive a oportunidade de trabalhar como coordenador e vice coordenador lá em três mandatos. E naquele período eu recebi uma bolsa da fundação Kellogg, que deu um recurso importante para faculdade modificar os currículos. E eu como bolsista coordenador de curso pela fundação Kellogg, tive a oportunidade de fazer uma série de seminários viajeiros, que a Kellogg bancava para coordenadores de curso, para que a gente conhecesse as experiências no mundo, que estavam ocorrendo de mudanças. E a gente estava vivendo uma mudança paradigmática importante, tanto do âmbito da concepção da saúde, [15'] onde a gente saía de uma fragmentação profunda do conhecimento da saúde dividida em especialidades, e do reconhecimento por parte do país mais poderoso economicamente do mundo né, os Estados Unidos. O reconhecimento de que a saúde tinha que mudar, porque ela estava com uma baixa resolutividade do jeito que ela estava organizada naquele país e altíssimo custo e baixa resolução. E que a fragmentação não estava levando a bons resultados. Essa foi... e essa mudança, ela tinha que se refletir no aparelho formador, nas escolas médicas formando um profissional diferente, que não tivesse aquela visão fragmentada do ser humano. Então nós estávamos vivenciando, e aí a gente já entra na década de 90, uma profunda mudança da concepção de saúde no mundo, do ponto de vista da direção, da integralidade. E no Brasil nós vivíamos os primeiros anos da constituição cidadã, que constituiu o sistema único de saúde em 88. A toda sua regulamentação, mais forte implantação do país, se deu nos anos 90, como uma política de estado importante. Isso teve um reflexo assim... significativo no âmbito da formação dos profissionais de saúde, em especial dos médicos e dos enfermeiros, que sentiram mais próximos essas mudanças, mas também uma influência importante nos farmacêuticos, nos fisioterapeutas, nos demais profissionais. Os anos 90 com essa formação da Kellogg, eu tive a oportunidade de conhecer aquilo que estava acontecendo nos cinco continentes, através dessas viagens, dessas visitas... e de muita troca de experiências. E isso culminou com uma entrada minha já no final dos anos 90, eu tive a oportunidade de trabalhar numa comissão chamada CINAEN, Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico. Na época eu era vice-presidente da ANDES, Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior. E como vice-presidente, o presidente me colocou lá na direção executiva desse movimento das escolas médicas, foi uma experiência nacional de avaliação das escolas médicas do Brasil todo, e que sinalizou para mudanças importantes. Partes dessas mudanças foram cooptadas na época já no primeiro mandato do Fernando Henrique Cardoso, pelo Paulo Renato, onde ele traduziu todo o movimento de reflexão e de avaliação profunda das escolas médicas. Ele acabou virando tudo àquilo no provão. E que era desdobramentos não tão desejados na época por parte das escolas, que estavam pensando já na época num processo de avaliação um pouco mais profundo, um pouco mais orientado para mudança e transformação das escolas, e não num caráter punitivo, como se tornou o provão, e muito segmentado para aquele aluno que estava saindo da escola. Essa experiência também de transição foi importante, eu quando terminou essa minha atuação lá como coordenador de curso e como bolsista da Kellogg. Eu defini por uma experiência de eu sair da faculdade do período integral e ter uma experiência de inserção na universidade privada. Eu fui diretor de uma escola em Ribeirão Preto, da universidade de Ribeirão Preto, UNAERP. E durante esse período, eu comecei a trabalhar na consultoria, na implantação de novos cursos de medicina, e de cursos de medicina que estavam querendo mudar seus currículos. Em cima dos conhecimentos que eu tinha adquirido na década de 90. Eu fiquei como diretor quatro anos no período de reconhecimento do curso lá em Ribeirão Preto, e tive a oportunidade de montar um curso, que há quarenta anos não havia curso de medicina novo na cidade de São Paulo. E o primeiro depois desse período foi o da UNICID, na zona leste, que era uma universidade que não tinha vocação nenhuma assim... direcionada para a área da saúde, ela tinha um curso de odontologia muito forte, mas era uma universidade baseada em cursos, principalmente cursos noturnos. Era muito inserida na zona leste com pessoal operário, que trabalhava de dia e estudava a noite. Era uma característica marcante da UNICID. E o desafio foi implantar um curso em período integral, durante o dia, naquela universidade, na zona leste, onde pegavam um segmento de estudantes diferentes daquilo que a universidade estava habituada a receber. Onde a gente teve que pensar na questão cultural, na questão de inserção social, na questão do sentido desse curso na zona leste. E foi um desafio muito importante [20']. Eu fui... implantei esse curso. Fui diretor desse curso durante 10 anos, o reconhecimento dele teve a avaliação com notas máximas no MEC, e para UNICID foi um feito importante.
Pergunta:
E como foi colocar esse novo perfil de aluno no curso de medicina? Assim, como vocês...
Resposta:
Olha, foi muito interessante porque o que nós vivenciamos com o avanço da constituição cidadã, com o avanço da legislação do SUS, com o repensar das escolas médicas. O sentido de formação passou a ser orientado principalmente para inserção dos estudantes de uma forma precoce e continuada nos cenários de prática do SUS. O SUS com o artigo 200 da constituição, ele passou a ser o principal cenário de formação de recursos humanos no âmbito da saúde. E nós tínhamos que pensar e fazer através das parcerias com os gestores municipais e do estado, criar espaços que tivessem sentido pra formação, orientação pra formação, através de uma reflexão sobre as práticas do trabalho, dos trabalhadores da saúde de uma forma contínua. Essa inserção era o grande desafio. Nós encontrávamos na zona leste em São Paulo, nesse período, na primeira década desse século ainda um SUS muito complicado. São Paulo em função de políticas equivocadas anteriores né, na época do Pita, Maluf e tal. Erundina tentou consertar, melhorar as coisas, mas São Paulo estava atrás de muitas cidades brasileiras que tinham experiências marcantes no de organização do sistema único de saúde. E para complicar o cenário, nós tínhamos aí praticamente o esquartejamento da saúde na cidade de São Paulo, na área da atenção básica, por uma série de organizações sociais, que tinham pensamentos distintos. Então você tinha regiões na cidade que estavam indo numa determinada direção, outras regiões com outra implantação e releitura das políticas de saúde de uma forma diferente. Então era muito complicado. A nossa experiência em parte seguiu na zona leste, mas nós conseguimos depois evoluir para um município vizinho, Guarulhos. Guarulhos já tinha uma história um pouco mais calma e mais assentada dos princípios de regionalização, universalidade do SUS, e que dava uma sustentação, porque o que a gente percebia Regina, era que ao trabalhar com os alunos, a vivência no sistema único de saúde, num espaço não organizado ou muitas vezes beirando o caos. Essa experiência era uma experiência com o efeito contrário aquilo que a gente queria. Ao invés dos alunos aprofundarem o sentido da crítica, da reflexão, de tentar mudar aquele espaço, acabava vendo um profundo sentimento de rejeição, no sentido: ‘Olha professor...' Chegava assim alunos: ‘Agora eu sei o que não vou fazer na medicina. Eu não quero trabalhar naquele espaço, onde é uma bagunça, onde não se tem um norte, onde não é organizado. Eu prefiro aquele espaço do consultório, como a sala de espera cheirosinha. Os pacientes esperando, aguardando uma consulta, que tem uma televisão para os pacientes assistirem'. E isso eu não vejo lá no espaço da atenção básica, naquele momento que estava São Paulo complicado, de construção do sistema. Então nós na época, minha experiência com Guarulhos foi muito forte, foi vencedora. E quando o curso foi ser reconhecido pelo MEC, ele recebeu nota máxima em todos os indicadores. Isso foi uma coisa importante, que eu levei na minha bagagem, mas assim, nas minhas reflexões entre a minha vivência inicial na escola pública em Botucatu, depois a minha experiência de vários anos na inserção da iniciativa privada. Eu estava pronto para um desafio diferente. E aí surgiu a questão de São Caetano na minha vida de uma forma muito interessante, porque eu via no IMES, antigo IMES e recém USCS, universidade de São Caetano, um mix das questões do público e privado. Ela tinha por ser uma universidade pública, municipal e paga. Ela abria possibilidades de uma série de inovações e questões relacionadas tanto na área acadêmica, quanto na área administrativa. Então eu encarei esse desafio como um retorno à universidade pública, mas em uma realidade diferente que é a realidade de São Caetano. São Caetano me pareceu um ecossistema muito propício para a instalação do curso, porque um curso com essa característica de instituição no âmbito [25'] como uma autarquia municipal, ele já tinha uma aproximidade natural através dos seus gestores, com as estruturas locais de saúde. E isso se deu na facilidade que nós estabelecemos, a rapidez com que nós estabelecemos as parcerias no início foi muito forte. Nós tínhamos ali uma prefeitura que estava aberta a parceria. Nós tínhamos uma secretária de saúde ágil no sentido de se fazer os convênios. Nós tínhamos uma reitoria com um pensamento arrojado, que queria ousar na questão do curso de medicina. O curso de medicina já estava no pensamento, já na época da IMES. Já há um bom tempo. Nós tínhamos uma área da saúde da USCS, que precisava ter um curso de medicina no sentido de ajudar o alavancamento da área. Nós tínhamos já, cursos aqui na instituição muito bons, muito fortes, muito estruturados, mas precisavam de um parceiro que... capaz de alavancar esse setor com uma forma mais marcante. Então eu acredito que o curso de medicina surgiu nesse momento como um bom parceiro do curso de enfermagem, do curso de farmácia, do curso de fisioterapia, ou seja, de toda a área de saúde da USCS, no sentido de fazer com que essa área se solidificasse no âmbito da universidade. Essa experiência foi muito rápida, nós começamos a definir o projeto em setembro de 2013. Em janeiro de 2014 abriu o vestibular. E em março de 2014 nós estávamos com os primeiros alunos, a primeira turma. Então praticamente um processo que eu vivenciava nas minhas consultorias, nos cursos privados, até a sua aprovação no MEC, que duravam em torno de no mínimo de dois a cinco anos, aqui na USCS durou seis meses. É dada a determinação da universidade em fazer, havia uma reserva de recursos para esse tipo de investimento. E o contexto, a conjuntura estava muito propícia, porque nós estávamos no final de 2013 e começo de 2014, já com uma política nacional, que era a política dos mais médicos, que assoprava ventos na direção da ampliação de vagas e na ampliação das escolas médicas. Então nesse aspecto o papel do reitor foi fundamental na tomada de decisão, porque ele entendeu que era o momento, que havia uma conjuntura propícia, que São Caetano era o momento, era a hora, e nós implantamos o curso. E o curso foi... já um sucesso, já desde o início.
Pergunta:
E como foi o encontro de vocês? O senhor conhecia São Caetano ou a USCS foi atrás do senhor?
Resposta:
Não, a USCS foi atrás de mim. Eu já tinha uma consultoria já... solidificada no âmbito da implantação de cursos, principalmente na área privada. Eu tinha aí nos anos... de 98 até hoje, são vinte anos em que eu tive a experiência de implantar quarenta e sete cursos de medicina no Brasil, e capacitar mais ou menos uns três mil e quinhentos professores com as metodologias ativas. A procura pela minha consultoria, ela se dava exatamente por esse diferencial, porque em função da minha formação, a gente trazia elementos que faziam uma sinergia entre os cenários de prática e o processo de formação, através de metodologias potentes, que faziam com que os alunos ao vivenciar as práticas no âmbito do sistema único de saúde, criasse sentido para um processo de atenção a saúde, de cuidado a saúde, de uma forma mais significativa, mais importante... mais relevante para a população e que criasse o maior sentido para o estudante.
Pergunta:
Esses quarenta e sete foram montados nessa base, com essa metodologia.
Resposta:
É de 1998 até agora são quarenta e sete cursos com metodologias ativas, que se interagem... praticamente são projetos pedagógicos, que tem duas... que eu poderia dizer que tem duas grandes estratégias. Às práticas e os fundamentos no âmbito da universidade, eles se dão no âmbito da simulação. Então no âmbito da simulação, eu trabalho com seis metodologias ativas importantes: aprendizagem baseada em problemas, a problematização. Aprendizagem baseada em problemas, ela tem uma inspiração na universidade de McMaster no Canadá e depois em Maastricht na Holanda. A problematização toda é baseada no método Paulo Freire de alfabetização, e que a saúde se apropriou bem desses princípios para trabalhar na construção de projetos de intervenção no âmbito das práticas, nos cenários de práticas. Nós trabalhamos com jogos dramáticos, onde os alunos tem a oportunidade de se colocar nos papéis... nos diversos papéis vivenciados na rede [30'], desde os trabalhadores, os usuários, os gestores. E eles têm essas vivências através dos jogos dramáticos dentro do âmbito da universidade para simular, situações críticas dessas convivências. Nós trabalhamos a aprendizagem baseado em projetos, com o projeto de intervenção na rede, onde os alunos têm ao longo de seis anos, que fazer diversos desses projetos de intervenção. Nós trabalhamos com aprendizagem baseada em equipes, que é o team based learning, que trabalha... redefini o espaço da sala de aula. É uma estratégia de sala de aula invertida, onde os alunos praticamente trabalham muito as questões de aplicação de casos no âmbito da sala de aula e vem já preparado com estudo prévio para esse tipo de aplicação. Então enfim, são metodologias que preparam o aluno, para que ele na outra parte do curso, que é a vivência da experiência em si, nos cenários de prática ao longo dos seis anos. E essa é uma outra característica, quer dizer no currículo tradicional a gente ia num determinado momento e principalmente eram práticas centradas dentro do hospital. Hoje o hospital, ele continua tendo um papel importante, mas todos os espaços onde se produz saúde são espaços de formação. Então a casa das pessoas é um espaço onde se produz saúde. Então os alunos tem uma vivência nas visitas domiciliares, nas creches, nas escolas, nos ambulatórios e também nos hospitais. Então essas duas grandes estratégias de simulação da prática e a vivência em cenários de práticas ao longo... é a marca desses quarenta e sete cursos que eu tive a oportunidade de montar e dentro desses cursos, uma parte desses cursos são privados, outras partes são públicos... na universidade pública.
Pergunta:
Botucatu está assim ou não?
Resposta:
Botucatu hoje ele está assim, mas ele não está pelo meu trabalho. A semente disso nós implantamos lá nos anos 90, mas ela teve uma continuidade depois de outros colegas, de outros grupos, de outras pessoas que também continuaram estudando educação médica e fizeram Botucatu hoje uma das escolas... às melhores escolas do país. É a escola mais disputada de relação candidato vaga. É um exemplo para o país todo. Então essa é um pouco da minha história na inserção na USCS. Nós tivemos aí, esse foi o primeiro desafio né. Pode fazer a pergunta, que eu estou te interrompendo...
Pergunta:
Não... [Risos] Eu tenho várias, mas depois que o senhor ___________.
Resposta:
Aí quando esse curso já estava em implantação, surgiu à ideia de um projeto de expansão da USCS em novos campus. E eu fiz parte através da participação nos colegiados da universidade, de discutir junto com a reitoria, esse projeto de expansão. E também tinha toda uma estratégia dessa expansão se dar através de um conjunto de cursos, que fossem capitaneados por um curso muito forte que seria o curso de medicina nesses novos campus. Dentro desse projeto de expansão, o primeiro campus avançado que a gente viu condições de fazer e na época eu trabalhava no hospital Sírio Libanês, e levei a discussão de uma parceria entre a universidade de São Caetano com o hospital Sírio Libanês, para que nós tivéssemos um curso de medicina num campus em São Paulo, numa região central de São Paulo. Na época eu trabalhava com o professor Gonçalo Vessina, que era o superintendente e o CEO do Sírio na época. E o presidente do instituto de ensino e pesquisa professor Roberto Padilha, abraçaram a ideia e apoiaram essa implantação inicial do curso, depois o Sírio passou por uma série de mudanças institucionais, mudou o foco, mas a semente foi plantada e nós conseguimos começar o curso em 2016. Nós estamos no terceiro ano de implantação do curso e esse é um outro desafio, porque todas as condições de clima, temperatura e ambiente de São Caetano, favoráveis né. Hoje você tem, inclusive um prefeito que deu continuidade ao processo de implantação, uma secretária de saúde super engajada no projeto da universidade, todas as conjunturas favoráveis e São Caetano agora anda bem, nas mãos do professor João Bizário, na condução dele de um time muito forte. Em São Paulo surgiu para mim um novo desafio. Eu tinha... não tinha essa inserção, da questão... da gestão política da cidade, nós enquanto USCS dentro do universo da cidade de São Paulo, nós somos aí... mais um. Não somos à ‘universidade', mas somos mais uma. E eu tive que trabalhar uma disputa desse cenário, desse espaço, numa conjuntura onde houve uma expansão muito forte das escolas médicas e à medida que essa expansão se deu [35'], ela também se deu uma corrida aos cenários de prática, para ocupação desses cenários públicos de prática. Então ficou muito complicado a cidade de São Paulo, e esse desafio hoje nós estamos vivenciando, e estamos vencendo esse desafio no sentido de implantar. Os nossos estudantes estão com um projeto maravilhoso em duas regiões muito importantes e carentes, uma é na região sul de São Paulo. Os estudantes para chegar nesses cenários de práticas nossos estudantes já têm... só a viagem já é uma vivência, porque para vocês terem uma ideia, nosso campus é na 13 de maio no bexiga, e os alunos muitas vezes eles tem que passar durante duas horas e meia à três horas até chegar por exemplo numa unidade de saúde de Parelheiros, que é do outro lado da cidade próximo a Mata Atlântica. Próximo inclusive de uma comunidade que tem uma comunidade indígena, em que os nossos estudantes tem a possibilidade de prestar atividades relacionadas ao cuidado a essas populações. Então está sendo uma vivência fantástica para os estudantes, para os nossos professores, de muito sacrifício e de enfrentamento muito inóspito dos ambientes, porque eu acho que São Paulo é uma cidade hard, é uma cidade de difícil enfrentamento, mas ela certamente, isso potencializa os sentimentos, às emoções, os afetos e as competências do médico que a gente quer formar. Nós queremos formar um médico cidadão e que conheça seu povo, que conheça a realidade da sua gente. E aí ele tem que andar de ônibus. Ele tem que andar de metrô. Ele tem que enfrentar o horário das seis horas da tarde que é uma experiência em São Paulo, enfrentar um metrô às seis da tarde. Às sete e meia da manhã, quando todos os trabalhadores estão se direcionando para os seus espaços. Então isso tudo, eu acho que vai formando um calejamento na vida dessas pessoas e abrindo seus poros para sensibilidades. E eu acho que isso na profissão da medicina é fundamental. Um médico sintonizado com as angústias, os desejos e o sofrimento das pessoas que ele atende, faz desse ser humano, desse médico, um individuo especial para essas pessoas e para a sociedade como um todo. É isso que faz valer a pena nos dias atuais, você ter um curso de medicina novo, com uma proposta inovadora.
Pergunta:
Eu tenho duas perguntinhas sobre isso. Uma é assim: como é essa situação da universidade ter duas faculdades de medicina, porque não é a mesma faculdade... aí o senhor pode até explicar isso porque eu não entendo muito bem. Não é a mesma faculdade de medicina que está distribuída em dois campus, são duas faculdades de medicina não são?
Resposta:
Isso são dois cursos... são dois campus. Eles são regidos pela mesma universidade, mas os contextos são completamente diferentes.
Pergunta:
O currículo é o mesmo ou não?
Resposta:
O currículo, ele é alinhado. Só que assim né... [Concomitância de falas].
Pergunta:
____________________.
Resposta:
[Concomitância de falas]. Veja, dentro do currículo... dentro do currículo, a disponibilidade das unidades curriculares de como elas são organizadas, são semelhantes. Só que o currículo ele é mais que isso, porque o currículo, ele ganha sentido com o contexto. São contextos absolutamente distintos e aí quando você vai aplicar essa organização curricular nesses contextos, eu posso dizer para você que são dois currículos distintos, porque são vivências diferentes, são espaços diferentes, e que eu acho que eles... eles até... eles podem criar sinergias muito importantes na formação dos alunos, a medida que os alunos de São Caetano possam vivenciar isso que estamos vivendo em São Paulo, e São Paulo também na realidade de São Caetano. Eu poderia dizer para você que a realidade de São Caetano é um ecossistema mais controlado hoje, apesar da complexidade, dos enfrentamentos que se tem na região, mas é um ecossistema mais controlado. O nosso... a nossa realidade no âmbito da implantação do curso em São Paulo, eu diria para você. Eu lembraria um autor importante que é o Carlos Mattos no planejamento que ele diz o seguinte: ‘Que é você planejar dentro da incertitude dura. Dentro de um nível de incerteza muito elevado, onde o planejamento, ele tem que ter... encontra muitos cenários possíveis, porque a flexibilidade e a complexibilidade faz com que a gente tenha que mudar os planos sempre, a cada dia'. Esse é o desafio em São Paulo.
Pergunta:
Aí é só uma curiosidade. Os meninos de São Paulo, eles não vem necessariamente atuar nos setores de saúde daqui de São Caetano.
Resposta:
Não. Em São Paulo, nós definimos dois grandes cenários de prática. Um na região sul e outro uma parceria com o município de Diadema, [40'] que está sendo incrível. Diadema eu achei importante fazer essa complementação com... essa parceria com um município como Diadema, em função da minha experiência que eu tinha tido entre zona leste e Guarulhos na UNICID. Diadema é uma cidade que tem uma história muito forte de construção do Sistema Único de Saúde e alinhada à organização dos trabalhadores. Então é um SUS com controle social vivo, onde as pessoas que vivenciam o SUS tem um sentimento de apropriação daquilo que é dela enquanto projeto, enquanto ideário. As pessoas de Diadema, elas defendem a sua saúde através da construção contínua do Sistema Único de Saúde naquela cidade. E os gestores que se sucederam, apesar de partidos distintos, tiveram que assimilar esse processo. Alguns de uma forma mais pró ativa, outros nem tanto, mas assimilaram isso porque isso é um sentimento muito forte daquela população, daquela organização. Então me interessou muito colocar os estudantes nossos em contato com a organização do SUS, em que é absolutamente diferente. Os nossos alunos ali, a atitude, a postura, o cuidado. Eles são exigidos né, não só pelas equipes de saúde, mas como os usuários. Os usuários, eles acolhem os nossos estudantes, mas não acolhem incondicionalmente. Existem condições que os nossos estudantes tem que se adaptar, se adequar, na questão da postura, do respeito, da questão da dedicação. Isso é muito bom para a formação. Então são espaços que eu acho que vão dando uma vivência importante e atinge um nível de competência que a gente espera ao final da formação.
Pergunta:
E professor, vamos falar um pouquinho dos alunos. Perfil de aluno. Hoje imagino que na medicina também seja assim. A gente recebe, não sei em outros lugares, mas aqui na USCS, alunos bem mais jovens assim __________________. Não sei se na sua trajetória de formação como é que o senhor vê esses alunos, sempre foram jovens, como era o perfil deles. O que vai mudando ao longo desse processo aí de toda a sua experiência, como é hoje essa formação assim... esses meninos... assim... com tudo isso que o senhor está contando, a gente pegar esses meninos, os super jovens, como é que o senhor _______________.
Resposta:
Então né, eu... ah... naquilo que a gente lê tanto com evidência científica, como na literatura leiga. A gente sempre vai se deparando com algumas características de geração. E aí a gente encontra na literatura leiga e com algum embasamento científico, mas que na vivência acaba confirmando essa história da geração Y. É uma geração já nascida no meio digital em que a questão da informação, da rapidez, da evolução de como os processos tem que acontecer no âmbito da formação e da educação, ocorre com um ritmo e com uma incorporação tecnológica completamente diferente da minha geração. Então eu posso dizer para você o seguinte, que isso motiva com que os educadores, os professores, eles tenham que se reconstruir nos seus conceitos. O professor com o tipo de formação dos anos 80 e dos anos 90, e se trouxer essas crenças e estratégias desse período, não dá conta dos jovens dessa geração Y, que é diferente, que já nasceram dentro de uma vida relacionada à digital, que isso da uma outra pegada. Essa geração, ela é uma geração onde esses sentimentos de... [entrevistado pensando] de olhar para o próximo, de construção dos projetos sociais. Eles têm que ser trabalhados de uma forma muito intensa, porque o nosso contexto é um contexto de profunda despolitização, e nesse contexto, os processos mais individuais de construção do ego, eles são mais evidentes do que os processos coletivos. Então para a gente conseguir tocar essas mentes e corações [45'], a gente tem que ter projetos de cursos que trabalhem na perspectiva do trabalho cooperativo, colaborativo muito mais do que na competição. Então às metodologias ativas, elas surgem aí como uma necessidade imperiosa no sentido de trabalhar esses espaços de trabalho em grupo. E aí a geração Y se toca bem, eles vão bem. Eles gostam do trabalho em grupo. O que nós temos que pilotar é que essa questão é a construção coletiva e não individualista da competição dentro dos grupos. Esse é o desafio que o professor... e o professor que vem de uma matriz, de um sistema de avaliação classificatório, daquela coisa da nota azul e vermelha, de pontuar, de classificar o aluno melhor pro ano pior. Ele traz uma cultura complicada para isso, porque ele mesmo traz seus pré-conceitos com relação ao trabalho colaborativo. Então eu posso dizer para você o seguinte, que dentro do espaço da sala de aula, o nosso desafio está no sentido de fazer com que esse professor reflita sobre suas práticas e reconstrua seus conceitos a partir dessa reflexão. E estimular os alunos a cada vez mais produzirem no espaço coletivo no sentido da colaboração, porque isso acaba tendo um reflexo no processo de formação deles. Hoje na área da saúde, não existe... quer dizer, o indivíduo que optar por trabalhar de forma individualizada, ele não vai dar conta da resolução dos principais problemas de saúde. Os principais problemas de saúde hoje são: complexos, envolvem soluções complexas, envolvem soluções sociais, e dar a interdisciplinaridade é fundamental. Ele reconhecer o trabalho do outro. Ele entender o papel do enfermeiro, do fisioterapeuta, do biólogo, do biomédico, do psicólogo, tal. E que isso tudo constitui um time em prol da construção e da melhora da saúde das pessoas. Ele compreender o seu papel dentro desse processo é fundamental. E é esse o desafio. Por isso que a constituição dos nossos times é uma outra marca, por exemplo, da USCS, tanto no curso de medicina de São Caetano, quanto no curso de medicina de São Paulo. Nós temos aí um equilíbrio muito grande entre os profissionais de saúde... [entrevistado se corrige] os professores de medicina. Eles são mesclados entre médicos, entre enfermeiros, entre psicólogos, entre biomédicos, farmacêuticos, fisioterapeutas, odontólogos, tudo isso, junto e misturado, num trabalho coletivo... de planejamento... pedagógico... constante, de reflexão constante, é que faz com que os alunos vivenciem e comecem a entender a importância do papel de cada um. E os alunos hoje entendem que muitas situações de problemas que eles têm que discutir, eles olha... às vezes o médico é menos adequado a discutir isso do que por exemplo se ele for conversar com um psicólogo ou se for conversar com outro profissional, e que a somatória desses esforços, o resultado é muito mais eficiente para os pacientes que eles atendem. Então eu acho que às inovações passam por esse caminho, do trabalho em equipe, do trabalho interdisciplinar.
Pergunta:
E também... os alunos chegam com... o perfil dos nossos alunos, eles veem com esse interesse de fazer uma medicina para o social, ou o senhor acha que isso... [entrevistadora se corrige] não chegam assim por... a própria constituição talvez do senso comum, e depois vai entender isso na faculdade.
Resposta:
Olha... eu comecei a fazer um trabalho nessa direção, quando eu era professor só, em Botucatu em 91. E eu era professor do primeiro ano, já numa unidade chamada introdução à medicina, onde a gente fazia o seguinte exercício: os alunos recém-chegados e tudo mais, a gente fazia na base das tarjetas móveis, na construção de tarjetas móveis, onde a gente fazia nuvens de sentido, onde eles colocavam... e a pergunta que eu lançava para os alunos que acabavam de entrar, qual era... o porque que eles tinham optado por medicina, qual o sentimento que movia eles chegarem na medicina. E a mesma pergunta e o mesmo tipo... a gente fazia isso quando os alunos se reuniam no sexto ano, vinham dos estágios de internado para organizar a formatura tudo mais, a gente fazia essa dinâmica. Esse trabalho foi publicado por uma psicóloga lá de Botucatu que sistematizou esse trabalho. Ela mostrou o seguinte: que o aluno, ele chega com um nível de ideação relacionado a ajudar pessoas, a salvar vidas... um sentido de solidariedade muito forte, que isso é aquilo que o aluno, os sentimentos que o aluno... que trazem o aluno para o curso de medicina. E que esses sentimentos eles se diluem, até o final da formação. E aí a reflexão que a gente fazia na época era puxa, será que nós professores, que temos um papel de projeção, de transferência importante [50'] dessas identidades entre aluno e professor. Será que nós pioramos? Porque nós estamos com um modelo tão distorcido que ao olhar os seus professores, eles acabam saindo desse ideal. Essa é a reflexão que a gente tinha e que nós não tínhamos resposta. O que a gente percebe é que essas vivências e esse calejamento, quando ele é desprovido de reflexão da prática, e essa foi uma mudança importante dos anos 90, para os currículos atuais, daquilo que eu pude implementar nessas inovações. Eu fazia muita prática e pouca reflexão, agora eu faço muita prática e muita reflexão sobre ela. Os espaços de reflexão... a medida que você coloca os alunos em exposição nos cenários de prática na rede, e eles tem aquela coisa do Nelson Rodrigues: ‘A vida como ela é'. Se ela vier desprovida de espaços organizados de reflexão sobre o que eles viram, acaba (...) sedimentando conceitos, posturas e tudo mais, que muitas vezes não são adequadas. E aí o papel da universidade. O papel do professor, ele entra aí: ‘Olha isso aqui que estamos vendo é o melhor que está sendo feito para aquela pessoa?' Poderíamos fazer diferente... será que o acolhimento, o respeito, às questões éticas e tal, que muitas vezes não vai da valsa de um atendimento de um pronto socorro e tal... o indivíduo não faz esse tipo de reflexão. Então o papel da universidade é criar esses espaços, e essa foi uma das coisas que são marcantes nesse nosso currículo né, em São Paulo e São Caetano, em que a gente procura planejar esses momentos onde os alunos através das suas narrativas, das histórias das suas vivencias, a gente pode problematizar essas histórias e aprofundar essas reflexões. Eu acho que isso faz toda a diferença.
Pergunta:
Antes de a gente passar para o... senhor explicar o mestrado, contar a história do mestrado. Só para efeito de registro. O senhor pode explicar os fundamentos e a organização básica do SUS?
Resposta:
Posso. [Risos].
Pergunta:
______________ [Risos].
Resposta:
Olha... eu sou suspeito para falar do Sistema Único de Saúde, porque o Sistema Único de Saúde desde a minha época de formação acadêmica, ele surgiu como uma grande bandeira do movimento dos estudantes, do movimento da sociedade brasileira, dos trabalhadores. E se a gente tem alguma coisa das muitas coisas que a gente se orgulha da constituição cidadã de 88, é o Sistema Único de Saúde. O Sistema Único de Saúde, ele traz alguns princípios importantes. O princípio da regionalidade, da universalidade do atendimento, do acesso a todos os brasileiros ao serviço de saúde e tal. São princípios da gestão participativa, do controle social. E isso tudo ao longo dos anos 90 e nessas primeiras décadas desse século foram avançando, apesar das mudanças e das políticas intempéries governamentais. Por isso que a gente costuma dizer que o SUS é uma política de estado, porque ela acabou sendo incorporada nos direitos das pessoas, no sentido de cidadania das pessoas, que independente dos governos. O governo tem uma cartilha muito séria, alguns atrasam um pouco a implantação da cartilha outros procuram buscar alguns atalhos no sentido. E a tensão entre a implantação do Sistema Único de Saúde e o papel que o sistema privado, que dentro da visão do SUS é o papel da medicina suplementar. Essa tensão ela sempre existiu desde o nascedouro do SUS, só que nos dias atuais, em função das políticas de governo, essas tensões, elas estão muito exacerbadas. E aí a organização da sociedade, ela se dá no sentido de defender os avanços que foram conquistados ao longo desses anos. E esses avanços eles se deram, em situações não é só... no âmbito da subjetividade. O SUS objetivamente tem ganhos importantíssimos e que serve de modelo para a organização de muitos países no mundo. Então olha, se você olhar na política de transplantes, que é uma política cara, onde o acesso à questão do transplante. O tipo de organização das filas e tudo mais, se avançou muito na questão da seleção das filas do acesso, da equidade do acesso a questão dos transplantes, o Brasil é modelo. Na questão da derrubada das patentes dos medicamentes [55'], e da política dos genéricos e na questão da AIDS. O Brasil virou modelo para o mundo, do acesso aos medicamentos para a questão do tratamento da AIDS, o Brasil é modelo. Na organização da questão da tensão básica, nós seguimos alguns modelos no planeta e avançamos muito no empoderamento das equipes de saúde da tensão básica, no papel delas serem às responsáveis pelo ordenamento da tensão. O modelo britânico inspirou muito a construção do sistema único e da organização da tensão básica no Brasil. O modelo canadense, o modelo britânico, o modelo cubano, trouxeram aprendizagens importantes para que a formação das equipes de saúde da família, e da transformação do que vieram o projeto de saúde da família, virou uma estratégia de saúde da família hoje, praticamente incorporada enquanto política de estado para o Brasil inteiro. E essa implantação dessa política de estado, ela teve e tem reflexos importantes, por exemplo, na formação. No âmbito da formação nós ainda estamos vivendo uma mudança de paradigma importante, porque o sistema de saúde brasileiro sinaliza para um médico, que nós dentro da escola enquanto professores não somos. Hoje nós não temos professores formados com mestrado e doutorado, com uma massa crítica forte de mestres e doutores na área da saúde e da família, para dar conta na formação de médicos de saúde da família que o sistema precisa. Então a formação, eu tenho que ajudar a formar uma coisa que eu não sou, porque eu sou o cirurgião pediátrico, eu exerço uma especialidade. Então os esforços desses professores hoje que são especialistas, é um esforço muito mais sobre humano no sentido de entender qual o papel deles na formação, do médico de família porque o sistema precisa de um médico com essas características. Então o Sistema Único de Saúde no Brasil, ele dá mostras de que é um sistema enquanto proposta vitoriosa, enquanto o financiamento da saúde é um problema, porque há um gargalo importante e cada vez que a gente tem governos, que invertem prioridades e a gente está vivenciando isso no hoje Brasil. O estrangulamento se dá em políticas sociais e uma delas é a questão da implantação da caminhada do Sistema Único de Saúde, que hoje está sendo colocado em cheque. Não vai mudar, não vai cair, porque hoje a incorporação disso na vida das pessoas é muito forte. A defesa do Sistema Único de Saúde, ela se sobrepõe as mudanças de governo. Esse governo passa, o Sistema Único de Saúde fica, mas é um tipo, uma forma de organização. Qual que é a grande dificuldade. A gente tem que pensar no Sistema Único de Saúde assim. Você tem modelos de SUS, por exemplo, na Catalunha na Espanha. Você olha a Catalunha, um ovinho. O Brasil, uma posição continental com duzentos e tantos milhões de habitantes, com muitos países dentro do nosso, quer dizer, com muitas realidades distintas. Você organizar de uma forma unificada, um sistema cuja missão é dar acesso a todos os brasileiros. Eu posso dizer para você que às nossas fronteiras são extensas na América Latina. Então o Sistema Único de Saúde. Eu tive a oportunidade de implantar cursos de medicina em cidades fronteiriças. Essas cidades fronteiriças, na Amazônia com fronteira com a Bolívia com a Colômbia com o Paraguai e tudo mais. Boa parte dos hospitais do SUS brasileiro. Uma parte dessas enfermarias, são vivenciadas por pacientes que vem da Bolívia, do Paraguai e de outros países. Então, e que são atendidos de forma igualitária com o mesmo acesso que os brasileiros. Então é um sistema muito complexo e que precisa ter um cuidado, um carinho, uma atenção de governos que tem uma proposta de pensar nas pessoas, nas populações. Governos que priorizam a questão do capital financeiro, dos grandes bancos e dos ganhos na bolsa, certamente...
Pergunta:
Não vão colocar...
Resposta:
Não vão colocar o Sistema Único de Saúde como prioridade nacional.
Pergunta:
E... aí o senhor estava falando justamente de formar esses profissionais para ensinar...
Resposta:
Então...
Pergunta:
O ensino do ensinador médico.
Resposta:
Exatamente. Eu acho que aí... veja, a vantagem da gente estar numa universidade como a universidade de São Caetano, é que tem... assim, é uma universidade arejada [1:00'], e que tem muita coisa para fazer. Então quando a gente começou a olhar e teve a oportunidade de ver a estruturação da área da saúde, como a saúde hoje ela é organizada, você precisa de universidades que ofereçam para o sistema, um processo de formação dos seus trabalhadores ao longo da vida. Então é o lifelong learning. E isso a universidade ela enquanto papel tem tudo haver, então o lifelong learning, ele extrapola a graduação. Então na área da saúde é importante que você tenha graduação. Você tenha no caso da medicina, residência médica. No caso das outras profissões as residências multiprofissionais na área da saúde. Que você tenha acesso ao mestrado, ao doutorado, aos cursos de lato sensu. E que a universidade, ela seja um espaço contínuo e permanente de aprendizagem, de atualização, de reflexão sobre as práticas dos trabalhadores. E olhando esse processo, o que nós vimos de gargalos. Com a política dos mais médicos, que foi importante no sentido de ampliação do acesso da população a médicos. Porque você tem um grande número de municípios brasileiros onde não há médicos, e que foi minimizado, mas que ainda existe com a política de ampliação das escolas e das vagas. Só que abriu-se um outro gargalo né, quer dizer: ‘olha, precisamos na medida que se abre escola e abre vaga, falta professor'. E dentro da saúde, com essa dificuldade maior ainda. Olha professor que tenha um perfil de sensibilidade para formar na perspectiva da integralidade do indivíduo, não adianta eu trazer um monte de indivíduos especialistas e que queiram reforçar o modelo hospitalocêntrico, sentado no hospital, sentado na especialidade. Eu preciso de gente sensibilizada para formar o indivíduo com formação geral, sólida. E aí tem uma distinção importante nos anos 1970, 1980, a gente falava muito que o médico necessário para o país é o médico generalista. Esse termo generalista, ele caiu no profundo descrédito, porque ficou muito associado à visão de um médico que sabe um pouco de tudo, e não é isso que o país precisa. Ele não precisa de um médico poli ignorante. Ele precisa de um médico que saiba muito bem resolver as questões de maior... [entrevistado se corrige] os problemas de maior prevalência da população. É um conceito epidemiológico que vem junto com a necessidade. Eu não preciso saber tudo de um pouquinho, porque aí eu faço do currículo dos cursos um shopping center de especialidades, e não é o caso. Eu preciso saber aquilo que faz com que a população mais adoeça, aquilo que cause maiores sofrimentos a população, e eu preciso ser bom em resolver aquilo, em seis anos. E saber o seguinte: que a minha postura ética dentro da saúde enquanto profissional da saúde é estudar para o resto da vida e continuar me formando, porque ninguém na população hoje, como nós avançamos no sentido do entendimento da saúde, a população também não aceita mais o atendimento de um médico que tem uma formação só em seis anos, porque ela sabe que é insuficiente e é insuficiente. A residência médica passou a ser incorporada como padrão ouro de formação do médico, então ele tem que fazer seis anos de formação, mais quatro anos de residência médica para ser um indivíduo a entrar no mercado de trabalho e continuar se atualizando e estudando, porque é isso que os pacientes esperam dele. Então esse é o papel que a universidade tem. Ela tem que oferecer condições dessa aprendizagem ao longo da vida. Aí surgiu o nosso mestrado, que mestrado que criaria sentido né. Um mestrado onde a questão da pesquisa é fundamental enquanto descoberta do conhecimento e de práticas novas que façam com que eu renove a minha prática, mas o que eu preciso dentro dessa visão hoje é que isso seja incorporada a missão da docência. Então eu precisava de docentes, que tenham um forte vínculo com a pesquisa, com a produção de novos conhecimentos, mas que tivessem também um papel importante com um domínio de tecnologia educacional, para dar conta da docência de serem professores e estarem no processo de formação de estudantes. Daí surgiu o nosso mestrado na área da saúde, que é um mestrado profissional em inovação no ensino de saúde, e que ele traz a questão da inovação de você pensar a pesquisa nas novas práticas, nas práticas que possam reestruturar e a repensar as práticas antigas. A formação de professores [1:05'], então ela é inovação no ensino, então ela é orientada para ensino, e no âmbito da saúde na perspectiva de um paradigma que está muito ligado ao nascimento do curso, que é o paradigma da integralidade. Todas as nossas linhas de pesquisas, elas são orientadas no sentido da descoberta, do novo, da produção de conhecimento, orientado para a integralidade do cuidado. Daquela questão de você cuidar, ver, enxergar e pensar no ser humano de uma forma holística, de uma forma humana e no todo, onde eu não separo corpo, mente e órgãos. Onde tudo isso está integrado num ser humano, num ser vivo.
Pergunta:
E a proposta de já aderir à modalidade profissional. Como o senhor vê isso?
Resposta:
Eu acho que a modalidade profissional ela é interessante, porque ela torna leve um pouco nesse âmbito das inovações preconizadas na CAPES pelos programas de pós-graduação. Ela orienta a produção desse conhecimento para o mundo do trabalho. E ela também torna atrativo a vinda de estudantes de pós-graduação, vindo desse espaço do trabalho. Então onde nós vamos buscar esses futuros professores, nós não estamos buscando professores para ficar aqui dentro, nós queremos professores que uma parte fique aqui dentro e uma parte continue no serviço, organizando os espaços de reflexão sobre a prática, porque aí os serviços vão estar inclusive mais adequados para receber estudantes. Um serviço que pratica e que tem momentos de reflexão da prática organizada, e para isso você tem que ter gente com approach pedagógico, para poder fazer esse tipo de organização, é fundamental. Então esse é o propósito do programa. O programa, ele traz a questão pedagógica que extrapola o espaço da universidade enquanto espaço de sala de aula, para o mundo do trabalho. Onde o trabalhador, ele incorpora as ferramentas pedagógicas para que o ajude a refletir sobre suas práticas.
Pergunta:
E tomando pelo senhor, pela sua vida né, que fez opção pela vida acadêmica bem cedo. Como que é a vida desse profissional, que tem que estar na prática médica e na sala de aula. Tem que ter essa dupla profissão constante.
Resposta:
É...
Pergunta:
O cotidiano eu estou perguntando... [risos].
Resposta:
Eu optei na trajetória pela minha prática na cirurgia pediátrica, e que eu acho que tudo em medicina, mas especialmente em algumas áreas, elas exigem dedicação plena. Eu tive aí pelo menos vinte e cinco anos da minha vida relacionada muito a atividade cirúrgica focada nas crianças, um segmento dessas crianças portadoras de mal formações congênitas. Então eram cirurgias no âmbito neonatal, que trazem um nível de complexidade, dificuldade de trabalho em equipe muito forte. E também no âmbito da cirurgia geral da criança... das crianças maiores que apresentam afecções cirúrgicas do aparelho digestivo, do aparelho geniturinário, tal como os adultos apresentam, mas que o cirurgião pediátrico cuida desse segmento da fase da vida. Então eu mantive atividade na universidade. Eu mantive atividade de consultório, porque eu sempre trouxe os casos nos meus consultórios, como uma forma de modelo e exemplo para os alunos e os residentes que me acompanhavam, mostrando que era importante o professor ter essa vivência, e ter um caso que era dele, que não era um caso que ele orientava um aluno a operar, mas o caso que enquanto professor eu tenho os meus pacientes que eu cuido e veja como eu estou cuidando. E como eu, por exemplo, me porto dentro da clínica privada e dentro do espaço público de uma forma sinérgica, sem contradição. Então só que dar conta disso e também da atividade intensa de gestão que foi tomando conta da minha vida, principalmente nos últimos anos e com muitas viagens no sentido de fazer implantação desses novos cursos. E eu entendi que com a formação que eu tive lá atrás, tanto cirúrgica quanto pedagógica na área da educação, que o papel social... eu tinha um papel relevante enquanto cirurgião, mas que essa atividade enquanto cirurgião, outras pessoas são capazes de fazer tão bem ou melhor que eu. Agora essa atividade e essa missão [1:10'] que me foi dada na questão de aplicar os conhecimentos que eu aprendi enquanto bolsista da Kellogg nos anos 90, e vivenciar um período no meu país onde precisava muito de pessoas com esse conhecimento para fazer com que políticas como a política dos mais médicos ganhasse sentido no país. E eu posso dizer para você que ninguém enquanto pessoa física implantou mais cursos de medicina na América Latina do que eu. Então essa política dos mais médicos se ela for olhada nos coletivos eu não apareço, mas se ela for olhada no ponto de vista das pessoas que fizeram as coisas, eu tenho muito orgulho desse papel que eu desempenhei nisso, porque eu ajudei de uma forma e estou ajudando de uma forma significativa, a população do meu país a ter acesso aos recursos de saúde que eles não tinham acesso aos médicos. Eu acho que eu tive um papel relevante e essa relevância ela se daria mais... de uma forma mais marcante por aí do que na minha atividade cirúrgica, então de cinco anos para cá eu parei de operar, para poder otimizar esse tempo e dedicação mais a essa atividade da gestão e da implantação, e do apoio na formação pedagógica dos professores, mas posso dizer para você que uma parte dessas minhas atividades cirúrgicas eu vivencio hoje nos meus sonhos... noturnos... eu continuo operando os meus pacientes quando eu durmo. Eu me vejo no centro cirúrgico. Eu me vejo em situações, porque isso fez parte da minha vida. É uma coisa importante.
Pergunta:
Professor, se o senhor não estiver cansado, eu queria voltar um pouquinho na sua juventude...
Resposta:
Ah é?! [Risos].
Pergunta:
Não sei se o senhor está cansado ou quer parar?
Resposta:
Não, não, tranquilo. Pode ser...
Pergunta:
O senhor pegou bem esse período do final da ditadura. O senhor foi, podemos chamar de militante estudantil, mais do que alguém que está se voltado para política, que estava atuando nessas questões políticas. Então assim, como que foi a sua participação como estudante de medicina desses movimentos dos anos 80 tiveram algumas greves significativas, depois vem diretas já, depois vem o processo de abertura, até mesmo a constituinte. O senhor falou tanto aí da importância da constituição. Atuação não só sua, mas de onde o senhor estava nesse momento, enfim...
Resposta:
Essa inserção enquanto atividade política minha, eu era meio... reconhecidamente assim, enquanto estudante no colégio e no cursinho eu era tido... hoje a turma chama de nerd né. Eu era meio nerd assim... meio emo, nerd. Esse despertar... ele se deu em função do início da minha vida acadêmica, eu entrei logo no primeiro ano, num grupo de saúde comunitária. E era uma coisa muito marcante nos cursos de medicina, porque os cursos de medicina, como eles eram tradicionais e não tinham espaços institucionalizados de prática na rede, formavam um currículo oculto. Um currículo paralelo, a partir das organizações dos centros acadêmicos, onde os estudantes iam para as comunidades e desenvolver tanto o trabalho assistencial, como o trabalho de organização política. Então eu entrei. Eu descobri na época na faculdade. Eu comecei a namorar uma menina que era uma liderança disso e que me introduziu tanto em reuniões políticas secretas, onde a gente lia muita coisa material do Marx, documentos da revolução russa, documentos de organização política dos trabalhadores do campo, dos trabalhadores da cidade na época. E também me apresentou a um trabalho de movimento social, de organização no âmbito da saúde num bairro lá de Botucatu, num bairro periférico, onde elas tinham uma atividade junto à associação dos moradores. Então eu tive essa inserção que foi uma coisa muito importante, muito marcante na minha vida. Essa prática desse currículo paralelo que a gente foi construindo ao longo da formação, ele serviu de muita experiência para que a gente propusesse as inovações depois no âmbito da escola. Já nos anos em que eu estava mais avançado na graduação, nós estávamos vivenciando no âmbito do país, o surgimento das greves do ABC, e com a organização dos partidos políticos [1:15'] no Brasil que estavam ali avançando naquela coisa dual que existia entre arena e MDB. E eu fazia parte de um movimento chamado movimento popular dentro do MDB. Uma parte desse movimento popular, ele apostou e<